Avanços da Medicina

A medicina regenerativa do sono

Cada vez mais, as pessoas buscam hábitos de vida saudáveis, mas esquecem de que o descanso e o repouso são fatores que de fato revigoram

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Dormir bem significa viver mais. Pesquisadores da Universidade de Warwick, no Reino Unido, e da Universidade Federico II, na Itália, admitem que quem dorme menos de seis horas ou mais de oito por dia tem 12% a mais de chance de morrer. Portanto, se você não levar isto a sério, pode, literalmente, acabar na cama de um hospital.  Antigamente, dizíamos que passávamos um terço da vida dormindo. Hoje, infelizmente, isso não ocorre mais, e ainda há quem ache que dorme bem, mas quantidade não é qualidade. Existem mais de 100 distúrbios do sono catalogados e os principais estão associados ao estresse, ansiedade, obesidade e aos maus hábitos de vida.

Uma novelinha, um seriado, um programinha mais badalado e até a internet; não importa, a primeira coisa que fazemos é seguir adiante. Ninguém deixa de ir a um jantar, assistir um filme, fazer umas horinhas extras, estudar até alta madrugada, só porque está na hora de dormir. Isso se tornou comum. Todos nós agimos assim, mas a recompensa e a consequência de dormir pouco e de maneira recorrente, leva a problemas cardiovasculares, mudanças metabólicas, além de ser impactante em nosso sistema imunológico. Foi também o que constatou uma pesquisa feita pela professora e especialista em medicina do sono Dra. Jeanne Duffz, da Universidade de Harvard.

Para a Dra. Olga Judith Fustes, médica neurofisiologista com mestrado em sono pela Universidade de Sevila Espanha, e membro da Sociedade Brasileira do Sono comprovadamente, a maioria dos distúrbios hormonais que envolve a disposição, o crescimento, a capacidade e o grau de concentração, o humor e até as defesas do organismo, são resultantes das noites de um sono ruim. “Existe uma medicina regenerativa natural, que reestabelece o equilíbrio, a regulação dos órgãos, a liberação de enzimas, hormônios, proteínas, além da produção de células de defesa e a restauração de genes danificados. Essa medicina é o sono”, destaca a especialista.

“A situação clínica mais comum que vivenciamos são pacientes com transtornos depressivos, dependentes de medicamentos ansiolíticos e calmantes, que levaram anos e décadas para associar suas doenças aos problemas de sono”, destaca a especialista. Dra. Olga revela que a primeira coisa que as pessoas vão procurar são as drogas e medicamentos que possam resolver seus problemas. “Mas, infelizmente, na maioria das vezes isso poderia ser evitado com um aprofundamento do diagnóstico, exames sanguíneos específicos e a polissonografia”, revela a médica.

Dr. Marcello Tamura S. Brasil também é outro profissional da saúde especializado em sono, cirurgião dentista especialista em respiração e odontologia do sono, graduado pela Amerian Academy of Sleep Desorder  (EUA) e University Britsh (Columbia/Canadá). Membro da Sociedade Brasileira do Sono, Dr. Marcello atua, inclusive, junto ao Instituto do Sono em São Paulo, Hospital Vita Batel em Curitiba e em conjunto com renomados profissionais da saúde, entre neurologistas e cardiologistas. “Trabalho muito com cardiologistas e é considerável o número de pessoas com pressão alta e colesterol elevado que, após terem suas rotinas investigadas, descobrem que a causa está na má qualidade do sono”, relata Dr. Tamura, alertando sobre os cuidados que devemos ter com todas as fases do sono.

Entendendo as fases do sono

Os especialistas explicam que existem quatro fases do sono, denominadas N1, N2, sono Lento e o sono R.E.M. Todas elas precisam ser vivenciadas por inteiro, caso contrário, as pessoas não se restabelecem.

O sono passa por quatro etapas:

 

Etapas do sono
N1 A fase N1 é a de sonolência, em que a melatonina é estimulada para ser liberada antes de dormirmos, induzindo ao sono.
N2 Na fase N2, os ritmos cardíacos e respiratórios diminuem e as ondas cerebrais ainda estão muito ativas.
LENTO A fase Lenta é caracterizada pelo resfriamento do corpo, quando o nível da temperatura cai e o corpo começa a produção hormonal.
R.E.M. É na fase R.E.M. que os hormônios são fabricados: a serotonina, neurotransmissor que serve para conduzir a comunicação entre uma célula nervosa (o neurônio) para outra; o natriurético, que trabalha na parte urinária; as angiotensinas, que desempenham múltiplas funções sobre diferentes sistemas; as catecolaminas, que ajudam no controle da pressão arterial; e a somatomedina, hormônio que controla o padrão de emagrecimento, entre outros.

O sono R.E.M. (Rapid Eye Movement), que na contagem seria a quarta fase, embora não seja classificado assim, ocorre quando o relaxamento muscular atinge o seu máximo e as energias são totalmente repostas pelo organismo, ou seja, essa é a fase do descanso real. “Se a pessoa não chega até essa fase, mesmo que pareça ter dormido, ela não descansou completamente”, destaca Dr. Marcello Brasil.

De acordo com a especialista Dra. Olga Fustes, os distúrbios do sono despertam a pessoa durante estas fases, muitas vezes, sem ela perceber, quebrando todo o ciclo de restauração. Isto faz com que a pessoa acorde cansada, esgotada, irritada e doente, após dias, meses e anos com estes distúrbios. “A insônia, o ronco, a apneia e a síndrome das pernas inquietas são as mais conhecidas, mas existem diversas patologias que poderiam ser evitadas com uma boa higiene do sono”, define Dra. Olga, mencionando que todo o sofrimento psicológico e a perda da qualidade de vida poderiam ser evitados.

 

Afetando a família

“A doença afeta a família, causa transtornos conjugais, fracasso profissional, dificuldade de convívio social e declínio da saúde geral”, reforça Dra. Olga. Um estudo da Universidade de Surrey, no Reino Unido, concluiu que compartilhar a cama com quem apresenta distúrbios do sono pode levar à perda de horas preciosas do descanso que o corpo e a mente precisam para uma vida saudável. Inclusive, os pesquisadores concluíram que, em média, os casais sofrem 50% ou mais problemas ao dormir, quando compartilham a cama, estabelecendo uma ligação entre dormir mal e depressão, doenças cardíacas, derrame, distúrbios pulmonares, acidentes de trânsito, impotência sexual e até a separação.

Para o engenheiro agrônomo e empresário André Luis Furlanetto, de 32 anos, que há anos sofre da síndrome das pernas inquietas – um distúrbio do sono que desencadeia uma espécie de agonia (formigamento, queimação, dores, entre outros sintomas) nas pernas, levando à inquietação e à insônia -, a única forma de amenizar o problema para preservar a saúde e o casamento foi buscar ajuda profissional. “Sofro desta síndrome desde a adolescência, já passei por vários neurologistas, sem resultado, e só consegui contornar o problema depois que consultei um especialista do sono”, conta o paciente. André, que é casado, sentia-se também prejudicado no trabalho. “Já tive que dormir em quarto separado, pois sempre que eu ia enfrentar uma situação de estresse ou tensão no trabalho, demorava horas me virando na cama ou ficava perambulando pela casa, o que afetava o sono da minha esposa”, conta. Hoje, com orientação especializada, o paciente mudou seu estilo de vida através de hábitos mais saudáveis, adotou práticas de relaxamento e já se sente melhor. “Estou me esforçando para não usar medicação e ter uma vida normal”, acrescenta.

Procurar por um especialista foi também a solução para o contador e advogado Aguinaldo Alves dos Santos, de 44 anos. A reclamação por conta do ronco não era só da esposa, mas também dos filhos e amigos da família. Há dois anos ele decidiu procurar ajuda. “Era até constrangedor. Além do mais, eu sentia indisposição e sono durante o dia”, revela Aguinaldo. Por indicação de um amigo, ele chegou até o Dr. Marcello Brasil. “Realizei exame de polissonografia e foi constatado o problema de ronco seguido de apneia. Decidi então que iria mudar meus hábitos. Passei a usar uma placa intraoral, adotei uma rotina de novos horários e tenho tentado melhorar a parte da prática de atividade física. Há dois anos que vivo uma transformação. Sinto-me muito mais descansado ao começar um novo dia. Até a minha esposa parou de reclamar”, destaca o contador e advogado. “Minha vida hoje é outra, até me lembro dos meus sonhos, coisa que antes era raro”, acentua.

 

Qualidade x Quantidade

Quando a pessoa vai se deitar à meia noite e acorda às oito da manhã, teoricamente, ela dormiu por oito horas. Porém, se ela não passou por todas as fases do sono, tem apenas uma quantidade de sono a ser considerada, e não a sua qualidade. Quando o sono é bom e atinge todas as fases, mesmo que ele dure por volta de cinco horas, o descanso realmente ocorre e todas as etapas de regeneração corpórea se restabelecem. O problema está em como atingir o descanso total nos dias de hoje. Questão que assombra a maioria da população, uma vez que é muito difícil encontrar alguém que consiga estar na cama às 21h ou 22h para cumprir o protocolo recomendado.

O diagnóstico de tais distúrbios começa pela família. Pedir para alguém observar as noites de sono e contar o que acontece é um bom começo. “O diálogo é fundamental”, orienta Dra. Olga. “O vilão da história pode ser um desses distúrbios. Se for constatado que o sono anda interrompido por algum motivo, como o ronco seguido de breves paradas respiratórias, a primeira opção é procurar um especialista para uma avaliação, pois o caso pode ser de apneia, o que é um risco grave”, adverte a médica.

 

Sintomas da falta de sono

  • Sonolência excessiva
  • durante o dia;
  • Indisposição;
  • Dores de cabeça matinal;
  • Irritabilidade pela manhã;
  • Alteração do humor (sem serotonina);
  • Falta de concentração e memória.

Nem todos buscam ajuda

Ainda é pequeno o número de pessoas que têm uma preocupação em ter uma boa noite de sono, considerando que em cada família brasileira pelo menos uma pessoa ronca. Por puro desconhecimento ou até mesmo desdém com a importância do sono, a maioria ignora os sintomas e leva uma vida de dificuldades sem nem mesmo ter a chance de saber o porquê. Os padrões de horários de sono sequer são conhecidos e uma mudança de hábitos é pouco cogitada, quando deveria – por uma questão de saúde pública – ser praticada  instantaneamente por um maior número de pessoas desregradas, já que pode custar uma vida.

Crianças com déficits de sono estão mais suscetíveis a doenças, são menos criativas e têm menos capacidade de raciocínio, o que compromete o ensino escolar. Nos jovens, o prejuízo pode estar relacionado com o crescimento físico e psíquico, e nos adultos pode ocorrer, além das complicações cardiovasculares, impotência sexual, transtornos sociais, baixo rendimento no trabalho e envelhecimento precoce. Quando não há orientação, esses fatores só se agravam. “As pessoas não deveriam se privar da qualidade do sono, nem mesmo permitir que distúrbios sociais como o ronco interfiram negativamente em suas vidas, como se isso fosse algo natural. Muito pelo contrário, para quase todo o mal há cura e a solução pode ser mais simples do que parece”, conscientiza o cirurgião dentista, Dr. Marcello que trabalha com a placa intraoral para tratamento de ronco e apneia. A placa tem efetividade de 80 a 85% dos casos clínicos que envolvem esses distúrbios.

Dra. Olga diz que existem diversos tratamentos e terapias, mas alerta sobre o uso de medicamentos. “Só em último caso. A melhor opção sempre é na mudança gradativa de hábitos”. Segundo a especialista, é recomendado o CPAP (uma mascára que insufla ar) para apneias mais severas, e para os outros graus o aparelho intraoral. Um destaque que vem auxiliando inúmeros pacientes é o trabalho fonoaudiológico, pois fortalece os músculos da região, o que diminui a intensidade da doença.

Para finalizar, Dra. Olga Fustes esclarece que seguir os horários e padrões adequados para o sono é importante, porém, não é preciso se desesperar se isso não for possível. “Padrões são importantes para termos referência, mas é raro encontrar pessoas que consigam dormir cedo todos os dias. Portanto, procure entrar em todas as fases do sono, mesmo que em horários alternativos. Para isso, jante mais cedo, prepare uma iluminação adequada, busque um ambiente silencioso, use roupas confortáveis, peça para os familiares para não ser perturbado e procure relaxar. Se mesmo assim você não conseguir dormir, ignore os preconceitos e procure ajuda de um profissional.

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